Este artigo demonstra o verdadeiro terceiro-mundismo da direita portuguesa.
E, mais uma vez, não vou falar da questão das propinas em si, sobre a qual já me pronunciei várias vezes. Vou, sim, falar da mentalidade subjacente ao artigo.
1. "Há sectores onde o dinheiro é muito mais necessário que no ensino universitário"
Falso. Há sectores onde o dinheiro é TÃO necessário como aí. Ensino não universitário, Segurança Social, Formação Profissional, Saúde, Justiça.
2. Louvar o facto de nos Estados Unidos ser comum as famílias direccionarem as suas poupanças para a educação universitária dos filhos
Antes de mais, esse facto não deve ser louvado nem deixar de o ser. Decorre do facto de todas as melhores universidades serem privadas e com propinas de ?25000 por ano.
Mas esta obsessão salazarista com a poupança mete medo ao susto. Está aqui claramente a defesa da vida "modesta e humilde" casa-trabalho-casa e visitas à família. Enfim, uma apagada e vil tristeza.
Isto para não falar daquilo que por várias vezes tenho referido. Ou seja, a doentia vontade em querer qualificar e condicionar o destino daquilo que é da vida privada de cada um.
3. Choca-lhe ver dirigentes associativos com 30 anos
Pois não devia. Se o problema é a idade, não tenho que lembrar a quantidade de pessoas bem mais velhas que frequentam o Ensino Superior. Se o problema é demorarem na conclusão da sua licenciatura, para além de as associações académicas prestarem serviços relevantes à comunidade universitária, enganam-se os que dizem que são um sorvedouro de dinheiros públicos, pelo simples motivo que raramente frequentam as aulas e estão em método de avaliação final.
4. Tristeza por a luta anti-propinas ser uma das causas de muitos elementos de uma geração
Da mesma maneira que me entristeço por a causa de George Bush ser ocupar o Iraque, por exemplo. Ou por a Alemanha e a França não cumprirem o Pacto de Estabilidade, por estúpido que seja. Etc.
Dispensam-se essas qualificações dramáticas, portanto. E também aquele discurso cabotino da esquerda mais calhorda de "os jovens não têm causas", porque obviamente o seu próprio irrealismo pseudoidealista desejava fazer da juventude um conjunto de pessoas à sua imagem e semelhança.
E se Luís Nunes considera a causa ridícula e ilegítima, é apenas a sua qualificação. E é livre de a fazer, pois felizmente em Portugal há liberdade de expressão. Qualquer pessoa está no direito de não ter a mesma opinião.
5. Para a esquerda, o Estado é pai
Só se for para a extrema-esquerda e para a tal esquerda mais calhorda. Na realidade, nenhum Governo até hoje teve a coragem de cortar a direito naquilo que é realmente mal gasto.
Para já, exige-se um orçamento de base zero. Que proceda a cortes radicais, custe o que custar. Embora sem obsessões.
E falando do que é realmente mal gasto, o
Filipe Gil certamente me permitirá invocar a discussão que tivemos a propósito da associação Zero em Comportamento e do Cine Estúdio 222. Ele entende que o Estado deveria subsidiar esse tipo de iniciativas. Coisa contra a qual me manifesto, pois é público e notório que a reposição de filmes ou a projecção das fitas de tipo X, Y ou Z não tem o menor interesse público.
Aliás, como já aqui tenho dito, urge acabar com o inaceitável sorvedouro de dinheiros públicos que é a concessão de subsídios para a cultura. Por todos os motivos que já repeti várias vezes.
Mas por um acima de todos eles. A cultura pertence ao povo, e não cabe ao Estado condicioná-la ou querer condicionar o gosto seja de quem for.
6. Dois ou três jantares de turma por mês ?
Apenas duas curtas frases. Não seja demagogo. Nem mentiroso.
7. Saídas diárias ?
Esquece-se certamente que isso não é a realidade de 99% dos estudantes não deslocados. E os deslocados lá vão saindo, gastando o pouco ou nada que a quantidade de despesas a que têm que fazer face lhes permite.
E quanto aos ? 20 por noite, talvez. Ou talvez não. Já deve estar totalmente esquecido que a estratégia para a bebedeira sair barata é já sair bêbado do jantar, se for o caso.
8. Dinheiro que na maior parte das vezes é vomitado em seguida
Lá está outra vez a beata tentativa de qualificar os gastos de outrem como virtuosos ou viciosos. E, quem sabe, o fétiche de ver alguém vomitar, de tantos que vê.
9. O fabuloso parque automóvel das universidades
Claro, automóvel é um luxo. Luís Nunes comete a inacreditável façanha de considerar um objecto totalmente vulgar e democratizado em luxo.
10. O traje académico completo só devia ser usado em Coimbra e custa dezenas de contos
a) É a sua opinião. Apenas. E curiosamente, é usado e com frequência em todo o lado excepto Lisboa. De onde surgem as críticas a ele. Porque será ?
b) Custa à volta de ? 150/200. É o preço de um fato masculino. Coisa que a grande maioria dos estudantes universitários não precisa.
11. "Conhecem algum colega na universidade que não tenha telemóvel" ?
E no emprego ? E na vida ? Aliás, conhecem ALGUÉM com menos de 40 anos que não tenha telemóvel ?
12. "É mais importante pagar a minha educação que outras coisas superficiais"
Que Luís Nunes tenha uma concepção espartana da vida, é um problema que exclusivamente lhe diz respeito. Não queira é negar aos outros, nos quais se inclui a grande maioria dos portugueses, o direito a um estilo de vida próprio do Sul da Europa. Mais divertido. Mais social. Mais real. Mais genuíno.
Pois eu não acho nada superficial conviver e viver. Bem pelo contrário. A essência da vida está muito longe de ser trabalhar e pouco ou nada mais.
Isto para já não falar que do dinheiro gasto pelos estudantes e outros em jantares e nos copos decorre receita fiscal, a qual deve ser usada no Orçamento de Estado para os gastos públicos, sem esquecer que contribui para a criação de emprego, etc.
13. Os pais é que deviam protestar
Claro. E continuarem a ter que assinar os testes para os professores universitários saberem que os viram. Ah, e já agora retome-se a maioridade aos 21 anos. E por aí adiante.
Sejamos claros. Independentemente do bolso de onde sai o dinheiro, os prejudicados são e serão os estudantes. Acima de tudo porque há questões de princípio e de direitos.
Tudo isto para concluir que a direita portuguesa parte de um princípio perigosíssimo. Que é o de que tudo o que não seja o mínimo essencial à sobrevivência é um luxo e deve ser pago.