Dentro de uma discussão que continua a propósito dos casamentos homossexuais,
Pedro Picoito escreveu um artigo no seu blog, relativamente ao qual refere algumas situações com as quais tenho que estar no mais absoluto desacordo, e relativamente às quais vou enunciar aquilo que defendo.
1. O casamento, essa instituição que juridicamente (e só juridicamente) deveria ser abolida, não afecta terceiros. Apenas as duas (ou mais, que existindo casamento nada deve impedir que um maior número de pessoas se casem umas com as outras, desde que não haja vícios da vontade) envolvidas. E não me venham cá falar de filhos, que as normas sobre filiação são totalmente independentes dele, com uma ou outra excepção completamente acessória. Custa assim tanto a aceitar que são normas que não estão ligadas ?
2. Dizer que o casamento é o melhor enquadramento para se ter e criar filhos é um juízo de valor tão rebatível como outro qualquer. E, aliás, para ir directo ao ponto-chave, alguém há-de me explicar em que é que as normas jurídicas relativas ao casamento tornam este melhor enquadramento que uma união de facto heterossexual. Logo aí a argumentação cai por terra. Isto para não falar que o Estado não tem qualquer legitimidade para fazer juízos de valor relativamente a se as pessoas querem ou não ter filhos e como os querem ter. Antes de haver Estado já as pessoas procriavam e criavam filhos. E depois os socialistas é que são estatistas...
3. A desculpa dos contribuintes é completamente ridícula. Tal lógica justifica o Estado-BigBrother a meter-se onde não é chamado. Por essa ordem de ideias, eu tenho que fazer mais chamadas de telemóvel todos os meses para que o Estado receba mais IVA. Por exemplo.
4. Reconhecer um fortíssimo laço entre casamento e procriação é a mesma coisa que regressarmos à distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.
5. Dizer que o casamento define o estatuto legal da mulher é partir de um totalmente inaceitável princípio de menoridade das mulheres. É dizer que os homens têm o estatuto completo decorrente, conforme as perspectivas, das normas gerais ou do Direito Natural, e as mulheres têm o estatuto dependente do casamento. Aberrante.
6. Portugal, 2008 - não se pode dizer que há parte mais forte e parte mais fraca no casamento.
7. Não vejo diferença nenhuma entre a exigência de vontade das partes no casamento e noutro qualquer negócio jurídico.
8. Em que mundo é que Pedro Picoito vive ? Pensões de alimentos por divórcio ? Acaso sabe que isso só acontece em casos muitíssimo excepcionais ? E que garantir isso significaria a mesma rebaldaria que acontece nos Estados Unidos, onde na prática havendo divórcio cabe quase sempre ao ex-marido sustentar a ex-mulher, numa demonstração ambivalente do machismo mais reaccionário e do feminismo mais panfletário ?
9. Ainda estou para saber em que é que qualquer das normas relativas ao casamento responde a necessidades sociais. Aponte-me uma que o faça.
10. Gosto particularmente da parte da ilusão liberal, onde de facto fica bem perceptível a diferença entre o jusracionalismo individualista do
Adolfo Mesquita Nunes e o romantismo historicista do Pedro Picoito. O que me faz lembrar
aquele post ridículo do Joaquim Sá Couto em que basicamente defendia a mudança de religião como caprichos de meninos mimados, como se os antepassados tivessem tido esse direito e nós já não...
11. É verdade que desde Roma, e não desde a Revolução Francesa, o Estado tem interferido na organização da vida afectiva, sexual e familiar. E a única maneira de deixar de o fazer é abolir o estado civil, os efeitos jurídicos do casamento.
12. Como é evidente, o Estado não tem que estimular que as pessoas constituam família. Nem o contrário. E não me venham com a desculpa da suposta falência da segurança social.
13. O argumento do número de casamentos homossexuais celebrados não faz qualquer sentido. A quantidade não conta para nada. Conta tanto quanto o valor da vida humana: não é a quantidade que torna 6 vidas mais valiosas que uma só.
14. O argumento do referendo também não faz qualquer sentido. Por essa ordem de ideias também os impostos nunca subiriam.
15. Cá está o romantismo historicista. O Pedro fala em consenso histórico. Mas a ter existido, é evidente que esse consenso de que fala já não existe.