Já que se fala tanto no assunto aqui vai
I
A consagração do casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma solução menos má que a actualmente existente. Mas não é de forma alguma suficiente. Essa tese está a dar uma importância desmesurada aos efeitos jurídicos do casamento.
O caminho a seguir é exactamente o oposto. De facto, se as pessoas se casam por amor, por que razão se lhes há de impor efeitos jurídicos ? Até considero mesmo aberrante impor efeitos jurídicos a tamanha expressão de afectos.
Poder-se-á dizer que as pessoas são livres de não quererem esses efeitos jurídicos. Contudo, sabemos que o casamento é algo de mais social que jurídico. As pessoas casam-se e festejam esse facto. Demonstram a sua felicidade. E, mais ainda, tem havido a tendência legal de equiparar cada vez mais as uniões de facto aos casamentos. O que para além de esbater as diferenças, mostra um Estado com a paranóia da protecção das pessoas, coitadinhas, como se não fossem adultas e responsáveis pelas suas vidas.
Dir-se-á que poderia existir casamento com efeitos jurídicos e casamento sem efeitos jurídicos. Isto, na verdade, resolveria o problema dramático dos crentes em confissões religiosas cuja celebração seja reconhecida pelo Estado (mormente dos católicos, por razões de quantidade e também - p.ex. ao contrário das Igrejas protestantes - tendo em conta o sacramento matrimonial). Imagine-se o caso de um católico que não quer os efeitos jurídico-civis mas que se quer casar pela sua Igreja por querer receber esse sacramento ? Dramático. E, em bom rigor, atentatório da liberdade religiosa.
Mas isto não chega. O Estado tem alguma coisa a ver com o facto de as pessoas se casarem ou deixarem de se casar ? Quer o Estado-comunidade quer o Estado-poder ? É que já não é apenas a existência dos estados civis de "divorciado" ou "viúvo", os quais são totalmente discriminatórios porque têm por base uma lógica de que o casamento é o estado normal da vida das pessoas, quer ele seja para toda a vida ou não: é-se solteiro, leia-se antes de casado, casado, divorciado ou viúvo (ou separado, vá lá), leia-se depois de casado. Trata-se mesmo de preservar a esfera mais íntima da vida individual.
Evidentemente que temos que ser ponderados. A abolição do estado civil não poderá, como é natural, alterar as situações jurídicas daqueles que se casaram anteriormente. Nem poderá impedir aqueles que o pretenderem de estabelecerem contratos pelos quais salvaguardem as questões que entenderem por convenientes.
II
É bem certo que tenho defendido quando questionado sobre o assunto a adopção por casais homossexuais. Contudo, actualmente coloco algumas nuances sobre o assunto. Senão vejamos.
Não sei se fará sentido que a filiação possa existir sem ser de um homem e/ou de uma mulher. Não corresponde à realidade da natureza.
Contudo, tendo em conta esse ponto, facto é que um solteiro homossexual já pode adoptar, nos termos da lei ! Tal como um solteiro heterossexual !
Ora. A solução que me parece de todo conveniente é pura e simplesmente aplicar a lei actual, não havendo quaisquer diferenças para uma hipótese, p.ex., de alguém que viva em união de facto que queira adoptar sozinho uma criança, ficando com a exclusiva responsabilidade parental - algo que fará algum sentido na eventualidade de o/a parceiro/a ter filhos e ele/a não.
Da mesma forma que um solteiro pode actualmente adoptar e depois eventualmente vir a casar-se !
Isto é. Não é preciso estar num papel que o filho é adoptado por duas pessoas, quando na realidade vive com essas duas pessoas. Preciso é que o seja. E a lei actual já o permite.