Lendo
este artigo de Daniel Oliveira sinto um mundo inteiro, um abismo, a separar-nos. Tenho que discordar em absoluto de tudo o que ali está dito. Senão vejamos.
1. Muito honestamente, não encontro relevância nenhuma em qualquer educação para a arte. A arte é uma questão de auto-expressão individual, dentro do quadro de que cultura é tudo aquilo que é produzido pelo Homem. E a sua produção é matéria completamente fora do interesse do Estado. Pelo menos de um Estado efectivamente democrático.
2.
O ensino da música não é uma frescura, um capricho, uma ocupação de tempos livres. Lamento, mas é isso mesmo. Ocupação de tempos livres. Ensino da música não é algo que seja minimamente relevante para o País. Se as pessoas o têm ou não, é absolutamente irrelevante.
3.
O gosto educa-se, a criatividade treina-se. Aqui então a demonstração de totalitarismo é absoluta. Mas com que direito se quer educar o gosto das pessoas e numa determinada direcção ? Todo e qualquer gosto musical (ou noutro âmbito) é legítimo. É inaceitável em qualquer perspectiva que se considere democrática pensar o contrário. E mais (pior): por que razão são certas pessoas a decidir em que direcção se deve educar o gosto e não outras ? E por que razão o ensino artístico é SEMPRE mas SEMPRE orientado para o clássico e para o erudito, para o vazio, para o bacoco e para o intelectualóide ? A cultura é do povo, não estamos nos salões imperiais do século XVIII !
4.
O gosto e a criatividade são úteis para todos os domínios da vida. O gosto como o Daniel o entende, é claro. Se calhar, por exemplo, a grande maioria das pessoas gosta de algo verdadeiramente abominável como Jack Johnson, por exemplo. Não posso aceitar tamanha demonstração de arrogância em nome de uma objectividade inexistente.
5. Escusado será dizer que se torna totalmente irrelevante para esta diferença de posições o que acho das intenções do Ministério, as quais na realidade desconheço. Mas se o objectivo é a generalização do ensino da música no sentido de um ensino abrangente da realidade musical, já é menos mau. Claro que o ideal seria pura e simplesmente retirar o ensino da música (e todo o ensino artístico) do ensino público. E, já agora, submeter o conservatório a um regime de propinas idêntico ao do ensino privado ou privatizá-lo. Estudos de música (os quais, é claro, são sempre orientados para o erudito, que o popular é lixo, já se sabe) são um capricho exactamente igual a, por exemplo, estudos de plastificação de dossiers. E do qual o Estado-comunidade (que o Estado-poder não releva para o caso) não retira qualquer vantagem.
6. Se o estudo que leva à decisão foi elaborado por quem não tem qualquer relação com o ensino artístico e a actividade artística, tal apenas demonstra o bom senso de quem o encomendou. Porque sabia perfeitamente o que sairia de quem estivesse com eles envolvido. A mesma conversa fútil. A mesma defesa do indefensável. Etc.
7. Claro, o que tem mais que haver é eruditos profissionais pagos por todos. Era o que mais faltava. Querem viver da música, produzam e ganhem para isso como todos nós o fazemos nas nossas actividades profissionais !
8.
Todas as crianças devem aprender a gostar de música. Presumo que toda a gente goste de música, ou quase toda a gente. O problema é que eu sei o que significa o
aprender a gostar. E isso significa encher as pessoas de preconceitos. Eu se há coisa que não me vou esquecer nunca é da lógica clara e por vezes explícita:
nós gostamos disto e daquilo, mas devíamos era todos só ouvir coisas clássicas e eruditas que isso é que é mesmo bom e se não gostamos é porque não percebemos. O que dispensa todos os comentários possíveis e imaginários.
9. Exacto. O problema do ensino artístico público é pura e simplesmente existir.
10. A tragédia, o horror. Não existirem portugueses nas orquestras, nos coros e nas bandas. O drama. Só falta isso trazer as pragas do Egipto.
11.
Um país sem criadores e sem actividade artística própria é um país sem identidade. Como se vê facilmente relacionando esta frase com o que DO disse anteriormente, tudo o que não seja erudito e clássico ou intelectualóide não é considerado criador nem artista. Pois por exemplo os rappers nunca precisaram de nada disso para produzirem música. Nem a grande maioria dos envolvidos na indústria pop-rock. E, para mais no século XXI, é da música popular que vem a identidade musical. É do mais genuinamente popular que vem a expressão artística mais relevante. O lugar da cultura dos salões só pode ser um actualmente: no caixote do lixo. Pior: reduzir identidade à expressão artística é, no mínimo, insultuoso.
12. Como se o País ganhasse alguma coisa em ter produção cinematográfica ou perdesse deixando de a ter. Quanto à dança, dispensa comentários. Se há algo inútil por natureza é a Companhia Nacional de Bailado. Ainda mais que as orquestras nacionais. Claro que todas elas deveriam ser extintas ou privatizadas. O País não ganha rigorosamente nada em ter semelhantes coisas e principalmente em gastar dinheiro com elas.
13. Se calhar muitos emigraram por curteza de vistas. Pela arrogantíssima atitude de quem acha que tem que trabalhar em música porque estudou isso. E que não pode ter qualquer outro emprego. Uma tristeza.