sexta-feira, setembro 19, 2003

PATÉTICO

João Titta Maurício escreve uma Carta Digital profundamente patética. Vejamos.

1 - Critica o facto de os mesmos estudantes que andaram a mostrar o rabo ao então Ministro da Educação e a gritar "Não Pagamos" depois numa noite de copos gastassem mais do que duas propinas anuais.

Para além de mesmo em 1992/93 ser obviamente facílimo gastar 2400$ numa noite, cansa ver esta lógica "Se gastam nos copos também têm para as propinas" ou "Em vez de gastar nos copos deviam gastar nas propinas". Cansa MESMO.

Porque não faz qualquer sentido. As pessoas gastam dinheiro nos copos ? Óptimo. É sinal que há dinheiro para isso, e assim gera-se mais emprego, o que melhora também a economia, etc., etc., etc. Para não falar que ninguém tem que fazer juízos de valor sobre onde cada um gasta o seu dinheiro.

Mas vindo da direita mais conservadora de nada admira. Essa lógica de pensar que é classificável em termos gerais como dinheiro bem gasto e mal gasto o que cada um de nós gasta é algo profundamente preocupante em termos da liberdade individual. E quem critica supostos controlos centralizados do Estado sobre seja o que for não tem moral nenhuma para fazer estas críticas. Claro que o que é defendido é um controlo social com a Santa Madre Igreja à cabeça....

2 - Depois, faz uma crítica, ainda que en passant, aos salários auferidos, criticando que não haja correspondência entre os mesmos e a relevância social do emprego em questão. Algo que, por incrível que pareça, nomeadamente em relação às estrelas do futebol, vejo muitos jovens também a criticar !!! Agora está outra vez na moda a moralzinha ?

Nada que demonstre mais à saciedade, tal como Giddens já fez, a absoluta incompatibilidade entre conservadorismo tradicional de natureza cristã e liberalismo.

O liberalismo, e muito bem, defende que a retribuição a auferir por cada trabalhador é determinada pelo mercado. Um conservadorismo achará, por exemplo, que é imoral haver salários muito altos. Nada mais absurdo. O que é injusto é existirem salários baixos, até porque tectos salariais por força da lei em nada beneficiariam quem menos ganha.

Como são os pensamentos marxista e conservador TÃO parecidos...

3 - João Maurício critica também esta sociedade actual, por prometer "o sucesso com glamour ao alcance de todos". Bendita sociedade actual onde a todos é possível aspirar e conseguir esse sucesso. Já Andy Warhol falava nos 15 minutos de fama, como é do conhecimento geral.

Escusado será dizer que o cronista defende um modelo de sociedade onde só poderia ter esse sucesso com glamour quem viesse de certos e determinados estratos sociais....aliás, isto faz-me lembrar aquela patética entrevista de Nuno da Câmara Pereira, em que dizia que a sua família pertencia à classe dominante há muitos séculos e censurava algo que poderíamos qualificar ironicamente como "burguesia endinheirada".

4 - E "a culpa é da escola", supostamente dominada pela esquerda, por não exigir esforço e etc.

Espanta-me, tantos séculos depois e na sociedade actual, como ainda se vê esta exaltação das ideias estóicas. Mais grave, João Maurício critica, na prática, que as pessoas tenham direitos só por o serem.

Nunca defendi passagens automáticas nem nada que se pareça, nem a escola virada para o prazer como defende o dr. Louçã, mas essa escola propositadamente difícil e árdua só por si não faz sentido. O que faz sentido é os estudantes aprenderem aquilo que lhes é exigido e com a maior motivação possível. Fazer as coisas propositadamente difíceis de nada ajuda.

Mas...esta direita mais conservadora parte de um princípio que no mínimo é miserável, o que de que as pessoas têm que merecer os direitos antes de os terem, e que têm de merecer respeito antes de serem respeitadas. O que é a negação da condição humana e da cidadania, aliás eu diria mais, de todos os nobres direitos, liberdades e garantias (e porque não dos deveres ?) conquistados desde as revoluções liberais, e que são património histórico, cultural e jurídico da Europa.

A atitude correcta é saber que todos temos direitos, que têm que ser respeitados, e que todos nós merecemos respeito. Sim, não é o respeito porque é mais velho ou coisa parecida. É respeito com todos e para com todos.

5 - João Maurício ainda escreve que actualmente os Homens acreditam que nada lhes é exigido e que nada lhes pode ser proibido. Cá está mais uma vez.

Bem, obviamente que muita coisa é exigida. Cumprir as leis, etc., etc. Mas essas exigências devem reduzir-se ao mínimo indispensável.

Então as proibições, mais ainda.

6 - "A desigualdade existe e não pode nem deve ser eliminada"

É uma frase que eu até poderia subscrever perante certo tipo de argumentos de uma esquerda marxista e ultrapassada.

Contudo, todo o espírito subjacente a ela obriga-me a refutá-la por inteiro. Porque o que João Maurício defende é uma desigualdade no acesso aos direitos, e a tudo. As únicas desigualdades admissíveis, em meu entender, são as de natureza económica e estritamente pessoal (por exemplo, para não deixar dúvidas, uns discursam melhor, outros têm maior aptidão artística ou desportiva, etc.).

Todas as outras desigualdades são profundamente abomináveis. E, mesmo aí, o que interessa é garantir que todos tenham as mesmas oportunidades. Não forçar. Por isso sempre fui e sempre serei contra as ridículas, paternalistas e machistas quotas por género em termos políticos, defendidas por mulheres derrotistas que não se consideram capazes de lutar de igual para igual com qualquer homem. O que é triste.












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