quinta-feira, dezembro 11, 2003

O Estranho Caso da Direita Portuguesa

Já na sua crónica de Sábado, Augusto Santos Silva, após algumas semanas de pausa na reflexão política, escreve magistralmente sobre «O Estranho Caso da Direita Portuguesa».

Começa por descrever globalmente a nossa direita: « O facto é que tínhamos em Portugal um partido, o PP, que se assumia como de direita, e de tal fazia a linha de fractura com o seu próprio passado, "centrista", de CDS. Agora temos dois, porque é preciso acrescentar-lhe a Nova Democracia de Manuel Monteiro. Com Sá Carneiro ou Cavaco e Silva, o PPD sempre resistiu a deixar-se catalogar como direita, preferindo afirmar-se como reformista antiesquerda, o que quer que isso significasse. Até mudou o nome para PSD. Preocupação evidente de evitar a colagem ao extremo direito do espectro partidário e não perder o eleitorado do centro. O cuidado doutrinário pouco era, porque o PSD é desde a sua fundação a mais pragmática das forças políticas, verdadeira federação de interesses, a quem a consistência ideológica seria, em vez de amparo, empecilho. As diversas alas convivem mais ou menos pacificamente, conservadores, liberais e sociais-democratas sentem-se aparentemente irmanados pela comum hostilidade à esquerda e pelo instinto básico de ocupação do poder. (Por isso é que o PSD é tão estruturalmente um partido de poder, um partido-Estado.)»

Naturalmente, o seu raciocínio leva-o também à proposta comum de revisão constitucional desta “estranha direita”:
« Consagra-o a iniciativa doutrinária por excelência que foi a apresentação de um projecto comum de revisão constitucional extensiva e as declarações dos líderes de ambos os partidos. Durão Barroso diz que a nossa Constituição não é, por vício genético, democrática. Paulo Portas não quer que o país seja "anticolonialista". Os dois pretendem expurgar o texto constitucional dos elementos programáticos, reduzir senão eliminar sucessivos direitos sociais, nivelar quanto possível a responsabilidade pública e a iniciativa privada, e nem sequer falta ao seu projecto a reedição póstuma da Câmara Corporativa, sob o nome de Senado (versão Santana Lopes), para mostrar ao mais cego a matriz anacronicamente autoritária que os inspira.
Ora, isto é veramente estranho. Ao contrário da generalidade dos conservadores europeus (do tal centro-direita que gosta de invocar), e depois de 30 anos de democracia em que pôde agir livremente e longamente exercer o poder, a direita portuguesa ainda tem problemas com a democracia, ainda não resolveu a questão colonial, ainda se sente pouco à vontade com coisas como tribunais constitucionais, conselhos de opinião, direitos de participação, regras de negociação colectiva, etc., etc. E, ao contrário da generalidade dos grandes partidos conservadores ou liberais da Europa, o nosso PSD deixa-se comandar doutrinariamente por um pequeno partido de extrema-direita, a quem entrega de mão beijada a agenda ideológica.
»

Conclui pois que: «Todas as correntes políticas são, de um modo ou outro, úteis. Mas a nossa direita, a lusitaníssima direita, em que nos está a servir? Pois se o défice não controla, só maquilha, a economia, não estimula, só deprime, e se nem da ordem sequer cuida, que utilidade tem?
Bom, lá vai bradando contra a arquitectura democrática e a sua consagração constitucional. Mas, com toda a fraqueza, isso cheira mais a naftalina do que a política.
»

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