sexta-feira, junho 17, 2005

O Pastelinho de Bacalhau

Cavaco Silva criou um novo estilo de político português: o político tecnocrata, que raramente se engana e nunca tem dúvidas (mesmo que esteja a comer um pastel de bacalhau...).

A direita portuguesa em geral, e o PSD em particular gostaram do estilo (e da década de poder), tendo recentemente presenteado os portugueses com dois discípulos da mesma escola de finanças: Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix.

Esta rica dupla é responsável por três anos de um Governo PSD/CDS a combater obsessivamente um défice para o Orçamento de Estado que chega a 2005 no valor 6,83% do PIB, de acordo com a mesma comissão técnica «Constâncio» que, anos antes, havia crucificado Pina Moura e Oliveira Martins.

É pois patético assistir às figuras tristes de Bagão Félix e Manuela Ferreira Leite na justificação convicta de não-se-percebe-bem-o-quê.

Primeiro, foi Bagão Félix a explicar que um Ministro das Finanças não é responsável pelo valor do Défice apresentado à Assembleia da República, e a criticar a metodologia de Constâncio e o preciosismo de em apurar uma estimativa do Défice até às casas centesimais (como se não conhecesse a «peça»...).

Mas a verdadeira confissão de desonestidade política e intelectual surgiu quando se soube que, afinal, Bagão Félix já sabia que o valor real do Défice para 2005 estaria nos 6,4%, tendo preferido o Governo apresentar ao País uma conveniente estimativa de 2,9%, fazendo contas futuras com base nas receitas extraordinárias que se viessem a arranjar.

Ontem foi a vez de vermos Manuela Ferreira Leite na defesa da honra, a titubear explicações económicas sem nexo, perante uma tolerante Judite de Sousa, que nos ia brindando com verdadeiras pérolas do jornalismo de investigação:

- Quando tinha tempo, não costumava ir fazer o almoço a casa?

- Gostava que lhe chamassem «Dama de Ferro» não gostava?

- Se quisesse, podia ser hoje líder do PSD. Até foi a pessoa mais votado no Congresso.

(Judite de Sousa deve ter garantido ontem um futuro lugar de Adido Cultural num País à sua escolha).

Ferreira Leite não tentou sequer explicar porque razão a sua política de aumento do IVA (embora seja, agora, contra o aumento do IVA), de corte no Investimento Público e de congelamento dos salários da administração pública não surtiu qualquer efeito. Muito antes pelo contrário: o Défice do Orçamento de Estado, o montante da Dívida Pública, a taxa de desemprego, a recessão económica, todos se agravaram. Apenas o Património do Estado (de todos nós) diminuiu.

Como se não bastasse, Ferreira Leite vem corroborar a tese de que as previsões de um Orçamento de Estado aprovado pela Assembleia da República não são, afinal, relevantes.

Este assomo de neo-liberalismo económico português não passou de uma visão em que se tenta organizar o País numa folha de cálculo e se vai pondo o Estado no «prego», de forma a acertar as contas na mercearia Bruxelas.

O que Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix não aprenderam com o mestre Cavaco Silva foi o seguinte:

Se tens vontade de falar mas deves estar calado, ou se deves falar mas tens vontade de estar calado, o melhor é encher a boca com um bom pastelinho de bacalhau.



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