O Dinamismo
A Administração Pública sempre teve as costas largas, num País em que os cidadãos consideram terem todos os direitos, e não terem quaisquer deveres.
Naturalmente, falar da reforma da Administração Pública é um daqueles temas de sucesso garantido. O célebre «Menos Estado, Melhor Estado» é sempre um slogan eficaz, do tipo «dar a todos sem tirar a ninguém».
Serve esta pequena introdução para comentar o inacreditável Editorial de Diogo Madeira na Revista Prémio, «Querida, eles encolheram o Estado».
O comentário a um artigo com o qual se discorda na quase totalidade não é tarefa fácil. Procurarei fazê-lo analisando apenas parte da vertigem demagógica, salvaguardando uma análise posterior da verdadeira questão de fundo: qual deverá ser o papel do Estado na Economia.
O Dinamismo Economico da Manuela
Basicamente, Diogo Madeira parte dos espasmos que se verificam no crescimento económico da actividade privada, e da diminuição do consumo e do investimento público, para chegar a uma conclusão brilhante:
«O dinamismo económico está hoje na iniciativa privada. O Estado cresceu e expandiu-se tanto que esgotou a sua própria capacidade de auto-sustentação.»
Realmente, em termos de dinamismo económico, o Estado apenas se tem encolhido. Com os cortes no consumo e investimento públicos, o Estado abdicou de qualquer dinâmica e intervenção directa na recuperação económica (a tal da retoma).
Mas, entretanto, ter-se-á expandido o Estado? Com a privatização da parte mais lucrativa do sector empresarial do Estado, a venda anual de património ao desbarato, e a manutenção da base tributária, reforma após reforma, assente na classe média de trabalhadores dependentes, o Estado terá, e continuará perder capacidade de auto-sustentação.
Mas neste caso, o que estará em causa não será o papel do Estado, mas sim as políticas económicas, monetárias e financeiras do Governo.
O caso da Autoeuropa
Ainda há pouco tempo a Prémio apresentava com destaque de capa o caso exemplar da Autoeuropa, responsável por 2% do PIB e 10% das exportações nacionais e, para além dos 3.300 postos de trabalho, pólo da existência de 55 empresas nacionais.
Ora acontece que a vinda e a permanência da Autoeuropa em Portugal só foi possível pela intervenção directa do Estado, pelas condições que concedeu para que a Ford-Volkswagen fizesse um investimento inicial de 1.970 milhões de euros em Palmela.
Este dinamismo é puramente privado?
E quando o dinamismo privado está assente nos subsídios públicos (nacionais e comunitários)?
Os Militares e a Sociedade Civil
Seguindo o seu raciocínio de crítica ao funcionamento da Administração Pública (muito na moda), afirma no final:
«Se as elites da sociedade civil forem verdadeiramente inteligentes, as eleições já não serão uma questão política e resumir-se-ão à eleição dos melhores gestores da coisa pública. Até porque já não se distinguem as ideologias, apenas a capacidade de gerar resultados».
A que sociedade civil se refere Diogo Madeira?
Aos Grupos Económicos e aos Bancos?
Estes já se fazem representar no Governo, gerindo a 'coisa pública' directamente (sem terem sido eleitos para o efeito, mas sob a responsabilidade daqueles que o foram).
E que resultados deve gerar o Estado? Será privatizável e gerar lucros?
Onde Diogo Madeira se engana profundamente é ao considerar que já não se distinguem ideologias.
Na conjuntura económica recessiva de hoje é bem fácil ver as linhas gerais desta distinção, pois este Governo das poucas coisas que apresenta é uma política claramente de direita.
Basta ver o número galopante de desempregados, que são politicamente um mal necessário para que o mercado se auto-regule, purificando-se das empresas inviáveis (a tal mão invisível que compra Ferraris no Vale do Ave). Ou a defesa do défice contabilístico, em nome de uma política orçamental insustentável, que recusa em aceitar o papel contra-cíclico que o Estado deve assumir, na linha das modernas correntes neo-keynesianas.
Diogo, se continuares nesta linha, ainda tens o Paulo Portas a pedir-te contributos para o seu projecto de reforma da constituição, limpando não só qualquer resquícios ideológicos como a própria democracia...
Para compensar, é de ler na página seguinte, o artigo de Elisa Ferreira sobre o actual conceito de retoma.
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