Ainda a horrível paridade
Dois artigos de Ana Gomes. Sobre os mesmos, tenho a fazer as seguintes considerações:
- é de todo inacreditável como é que alguém com a visibilidade de Ana Gomes fala em invisibilidade das mulheres na política - para o bem e para o mal, se há coisa que a própria não é, é invisível; e a ela poderemos juntar outras, muitas outras;
- não vejo vergonha nenhuma na falta de mulheres em cargos políticos, como não veria na falta de homens;
- se diz que a política, pelo contrário, é uma área onde redes de contactos informais, amizades, fidelidades a lideranças jogam um papel determinante. Esta informalidade determina opacidade nos processos de escolha de indivíduos, sobretudo na elaboração de listas eleitorais. Opacidade que neutraliza o princípio do mérito. , decididamente é-me de todo incompreensível como é que daqui se podem tirar conclusões de discriminação sexual e de exclusões em função do género - e, ainda que tal fosse possível (hipótese nem sequer académica), tal consubstanciaria passar um monumental atestado de incapacidade e de estupidez sociais a todas as mulheres;
- discriminar em função do sexo é por natureza incompatível com o professar da ideologia socialista, ponto final;
- se somos todos igualmente cidadãos, uma compartimentação parte do errado princípio que uns estão mais preocupados que outros com umas coisas com base no género, o que é errado e inadmissível (e anti-pedagógico, até);
- da declaração de veto do Presidente da República retiro que o mesmo até poderá eventualmente não vetar uma proposta que fixe uma quota de 20 ou 25% - infelizmente; em qualquer caso, como aqui já escrevi, não tenho dúvidas que uma lei de quotas é inconstitucional, e mesmo que o art. 109º obrigasse à sua existência (o que não acontece) tal constubstanciaria uma situação de revisão constitucional inconstitucional por violação dos limites materiais de revisão, tendo em conta que um deles é precisamente os direitos, liberdades e garantias;
- de facto, o argumento presidencial da liberdade de escolha do eleitorado (ao contrário dos outros) é ridículo;
- tal como um jornalista fez uma vez a Maria de Belém (não obtendo resposta, obviamente), desafio desde já Ana Gomes a provar situações de discriminação das mulheres na vida política - dizer que há discriminação por causa do número total é verdadeiramente absurdo - quero provas concretas, apesar de desde já saber que não as vai ter, pelo menos em partidos socialistas;
- mais, custa assim tanto a perceber o TRISTE facto de tudo o que cheire a actividade política, por alguma razão, interessar muito mais a homens que a mulheres ? Até em faculdades com esmagadora maioria de mulheres, na composição das listas às associações académicas o número de homens dispara. Para dar um exemplo que conheço: na balbúrdia actual instalada na FDL, onde existirão 2/3 ou mais de mulheres, quase todos os protagonistas são homens. Como é que é possível haver discriminação ?
- o que é natural e harmonioso, bem como democrático e socialista, é, sem qualquer tipo de discriminações, não se olhar ao sexo das pessoas na altura de elaborar listas - e, já agora, não se criarem departamentos de mulheres;
- facto é que as quotas concedem às mulheres um estatuto político de menoridade, ou anda assim tão fora dos circuitos do Partido para nunca ter ouvido comentários do "esta está na Comissão Nacional porque foi preciso preencher a quota" e afins ?
- do que não tenho a menor dúvida é que, com ou sem quotas, a vontade política de Ferro Rodrigues era mais que suficiente para a colocar em lugar mais que elegível na lista ao Parlamento Europeu; dizer o contrário é diminuir-se a si própria e subestimar o ex-Secretário-Geral;
De uma vez por todas, esclareça-se. A lógica das quotas é importada das sociedades tradicionalmente machistas do Norte da Europa, e tem por base considerar-se que existe uma sociedade patriarcal que discrimina todos os que não sejam homens e heterossexuais. Necessitariam assim as mulheres de garantias especiais para que não fossem discriminadas por natureza.
Isto é profundamente absurdo. Infelizmente, muita gente à esquerda ainda embarca na lógica tradicional que ser de esquerda é estar sempre a favor de mais mulheres, quando o que é democrático é exigir (o que já é um facto mais que consumado na sociedade portuguesa) o acesso de todos em condições de igualdade, independentemente de toda e qualquer característica.
Se Ana Gomes se considera por natureza inferior aos homens e a precisar de garantias especiais é um problema que é apenas seu. Não insulte as outras mulheres. E também não insulte os homens, porque é insultuoso para qualquer democrata, e mais ainda para qualquer socialista, estar a dizer-nos que discriminamos (e pior ainda se por natureza) as mulheres, porque isso seria vergonhosamente ofensivo dos princípios mais básicos da democracia.
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