segunda-feira, outubro 27, 2003

O Tríptico de Júdice

O Bastonário da Ordem dos Advogados escreveu uma carta aberta ao Procurador Geral da República, que aconselho a ler na sua integra, muito em particular a quem esteja mais ligado a esta área.

«Uma Carta Aberta em Forma de Tríptico», onde, «Para facilidade de leitura começarei por (A) recordar a lei, depois (B) enunciar os factos e fazer algumas interpretações, e, finalmente acabar por (C) tirar conclusões.»

Para aguçar a curiosidade, não resisto a citar excertos da referida carta, suficientementes interessantes e devidamente descontextualizados, como é hoje moda...


«B. Factos e Interpretações
(...)
30. Nas suas contra-alegações, o Magistrado do MP transcreveu passagens de frases do Dr. Ferro Rodrigues (que, recorda-se, não era quem no recurso se estava a decidir se devia ou não ficar sujeito à gravosa medida de prisão preventiva) que, se também não fossem transcritas, teriam permitido impedir a prática de muitos crimes de violação do segredo de Justiça. E outros capítulos da novela judiciária.

31. Tais frases não são manifestamente relevantes para averiguar se o Dr. Paulo Pedroso devia ficar detido por causa de perigos de perturbação do inquérito ou da ordem e tranquilidade públicas. Não são sequer de molde a que se possa concluir, com um mínimo de plausibilidade, que a prisão do Dr. Pedroso tivesse o efeito de acabar com a produção de tais frases por parte do Dr. Ferro Rodrigues. E só se assim fosse poderia ter, em teoria, algum sentido transcrevê-las nas contra-alegações de recurso.

32. Mas essas frases - não sendo preciso ser puritano para o concluir - não são boas para a imagem e para a consideração devidas ao Dr. Ferro Rodrigues, como resulta evidente de comentários produzidos por personalidades de todos os quadrantes e formações morais e culturais.

33. Acresce que são frases que, se conhecidas pela comunicação social, teriam imenso relevo e reprodução, como aliás aconteceu. E um muito qualificado Magistrado, como o que fez as brilhantissimas contra-alegações, não podia desconhecer que com toda a probabilidade o resultado de as incluir no seu texto seria aquilo a que muitos comentadores chamaram um assassinato (ou menos um homicídio na forma tentada) cívico e político de uma personalidade que é, nem mais nem menos, membro do Conselho de Estado e líder do principal partido da oposição. E, mais do que tudo isso, é um Cidadão que tem o direito de não ser vítima - sem necessidade nem pudor - de uma estratégia de chicana processual, ainda por cima de um Magistrado do MP que se deve orientar na sua actuação por altos valores e princípios, como é de exigir e ? quero afirmá-lo aqui e agora sem margem para qualquer dúvida - felizmente é timbre dos Magistrados portugueses.
(...)
C. - Conclusões
(...)
8. Mas o que não posso aceitar é que - apesar da clareza do sistema hierárquico do MP - seja possível que, por falta de directivas, ordens ou instruções, o Dr. João Guerra possa vir a repetir no futuro atitudes deste tipo e com elas a prejudicar de forma muito grave, ilegal, injusta e imoral outros terceiros, como aconteceu com o Dr. Ferro Rodrigues, sem que isso corresponda minimamente a qualquer interesse, ainda que não atendível ou até ilegítimo, da investigação criminal.
(...)
12. Tenho confiança na memória de luta pela Liberdade que habita muitos Magistrados do MP e acredito que o MP como Magistratura, apesar de tudo o que me leva por vezes a ter de reagir, não pode ser comparado a polícias políticas de investigação de Estados totalitários ou autoritários.

13. Mas o que não posso aceitar - e nisso não vai nenhuma falta de respeito, como é evidente - é que o MP se transforme numa colecção de Magistrados todos autónomos entre si, sem cadeia hierárquica, em que possa - eventualmente - um Magistrado exigir, para se ocupar de uma investigação, não receber instruções nem dar informações aos de grau superior e em especial ao PGR.

14. E também não posso aceitar que os Magistrados do MP se transformem em Advogados (e, de novo, nesta comparação só iria um elogio) encarregados da investigação e da acusação, com a independência que nos caracteriza a nós, mas também nos impede de fazer investigação criminal. E nas contra-alegações do Dr. João Guerra vejo sobretudo um Advogado, habitado pelo fogo sagrado das suas convicções e pelo erotismo da batalha judiciária, do que um Magistrado. Se fosse assim, se não houvesse cadeia hierárquica e se não actuassem como Magistrados, não quereria um MP com os poderes que para eles defendo. Teríamos então de mudar de sistema, como muitos e não dos menos ilustres propõem.

(...)
20. E que se desiludam, portanto, os que pensam que me calarei, assim esquecendo os meus deveres. Não o farei. Doa a quem doer, custe o que custar, pague os preços que tiver de pagar.»


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