terça-feira, setembro 30, 2003

PELO ENSINO PÚBLICO

O Cataláxia iniciou uma discussão sobre Ensino Superior Privado, na óptica liberal e de direita que lhe é habitual. À qual já se juntaram outros blogs.

Uma discussão séria sobre o assunto deve ter em conta determinados parâmetros, designadamente os constitucionais.

De acordo com o disposto no nº 2 do art. 73º, o Estado promove a democratização da educação, bem como as condições para que esta contribua para:
a) igualdade de oportunidades;
b) superação das desigualdades económicas, sociais e culturais;
c) desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade;
d) progresso social;
e) participação democrática na vida colectiva.

Logo à partida, há aqui uma clara restrição: não me parece, de acordo com o objectivo disposto na alínea a), que sejam constitucionalmente admissíveis quaisquer outros sistemas que não o existente actualmente ou o de vouchers.
Todo e qualquer outro decididamente não permite a igualdade de oportunidades. E se o sistema de vouchers a permite, é algo que é duvidoso. Pelo menos nos países de cultura mediterrânica.

Mas a Constituição aponta daí para a frente qual o único sistema educativo admissível: um sistema público universal, coexistindo com o ensino particular.
De facto, incumbe ao Estado deter uma rede de escolas que cubra as necessidades de toda a população. Ou seja, o Estado tem de prever que todos os estudantes escolherão a escola pública. A opção pelo ensino privado terá de ser apenas uma opção. Isto relativamente ao ensino básico e secundário. A nível do superior, a única restrição é a relativa às necessidades em quadros qualificados e à "elevação do nível educativo, cultural e científico do país".

E não vale a pena falar em revisões constitucionais. A escola pública é a garantia do acesso ao conhecimento, e também a garantia de um melhor desenvolvimento da personalidade.
Como dizia Rui Reininho há uns tempos, justificando a sua opção de os seus filhos estudarem numa escola pública, é muito melhor para o desenvolvimento da personalidade conhecer o Manelinho da mercearia e o João do bairro do que ficar enclausurado apenas com pessoas de um mesmo nível de vida num colégio.

O grave problema desta direita é que não querer, numa demonstração do egoísmo mais estúpido e desrespeitador de qualquer princípio básico de solidariedade social e de construção nacional, contribuir individualmente para a Educação Nacional só porque quer optar por uma escola particular.
Ao que a Igreja Católica se associa imediatamente por razões de interesse, tendo em conta a quantidade de escolas a si ligadas.

E, mais grave: esta direita (e não só) está-se perfeitamente nas tintas para a felicidade das gerações existentes e vindouras. Só pensa em criar máquinas de estudar em lugar de pessoas, basta ver então o discurso que para aí anda que (quase) ofende os estudantes por terem momentos de diversão, defendendo para estes uma vida monástica de estudo, para tirarmos a óbvia conclusão.

O País precisa de PESSOAS com uma personalidade tanto mais desenvolvida quanto possível. Escolas de elite nada resolvem. Aliás, os elitismos são por natureza maus.

Virá certamente a direita dizer que defendo uma nivelação por baixo. Nada mais errado. Aliás, foi o PSD que facilitou escandalosamente o sistema de ensino por causa das estatísticas para mostrar em Bruxelas. E isto foi-me dito com a maior das leviandades pela Dra. Margarida Salema numa aula de Direitos Fundamentais em 1997. Que nessa mesma aula foi obrigada a admitir que qualquer sistema de propinas no ensino superior é inconstitucional por violação do disposto na alínea e) do nº 3 do art. 74º. Porque o é, e a decisão do Tribunal Constitucional em 1982 foi, claramente, uma decisão política.
Estabelecer PROGRESSIVAMENTE a gratuitidade de todos os graus de ensino não é a mesma coisa que um ensino TENDENCIALMENTE gratuito.

Aliás, a cobardia do Governo relativamente ao ensino básico é total. Onde está o regresso dos chumbos tal como eu os conheci ? A única medida positiva até agora foi o alargamento do ensino obrigatório ao 12º ano.
Fica por garantir o real cumprimento desta medida. Que passará necessariamente pela total proibição do trabalho para quem não tenha concluído o ensino obrigatório.

Um ensino verdadeiramente estruturado passa por aí. Também não sigo o diapasão de alguns que defendem um ensino estupidamente exigente e cansativo. A exigência deve ser apenas a necessária.
Porque não quero que quem chega ao mercado de trabalho já aí chegue CANSADO !

Em resumo: ensino público para todos e pago por todos, ensino privado para quem o entender e desejar pagar.


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