Ao Fundo da Questão
Alertado por links, não pude deixar de ler o que João César das Neves escreveu esta semana.
Não vou comentar as considerações que faz sobre o encanto da virgindade e a grandeza da maternidade, alçadas por JCN nas duas razões mais próprias da glória feminina. Outros já o fizeram.
Em lugar de me pronunciar sobre os dois últimos parágrafos, pronuncio-me sobre o fundo do artigo. Sobre o seu real propósito.
JCN começa por qualificar a mulher como ser superior ao homem. O que é um profundo disparate por duas ordens de razões:
a) é inadmissível pensar que um dos géneros seja superior ao outro;
b) essa qualificação parte dos pressupostos filosófico-religiosos em que assenta o seu pensamento, pressupostos esses que nem em termos da religião que professa estão correctos.
Esses pressupostos fazem-no explicitamente defender aquilo que era o modo de vida das classes médias e burguesas. Homem a trabalhar, mulher em casa. Aliás, a forma como defende essa divisão sexual da vida é exactamente igual ao pensamento de Salazar nessa matéria. Basta ler a famosa entrevista que este deu a António Ferro.
JCN critica, assim, uma sociedade onde, como diz, os valores masculinos imperam também para as mulheres. E aqui comete um grave erro de análise. De facto, tem necessariamente que se considerar ultrapassada a ideia de que determinados valores, designadamente os ligados à vida pública, são masculinos. São de todos os cidadãos, independentemente do seu sexo.
O que, evidentemente, tem o reverso da medalha, aquele que Alçada Baptista já adivinhava nos anos 60, ao visionar que
só a libertação da mulher poderia abrir caminho à libertação do homem. Que é o espaço privado ser também pertença masculina, tanto como feminina.
Ah, é verdade. Corrija-se o que tanto JCN como alguns dos que comentaram o respectivo texto disseram. Essa tal moral que vinha de tempos imemoriais era a moral da nobreza, da burguesia e, depois, das classes médias, só tendo chegado aos mais desfavorecidos ainda numa fase posterior.
Esse culto da virgindade nunca existiu entre o povo. Aliás, como Ary dos Santos escreveu e Simone de Oliveira imortalizou, a regra era mesmo Eira de milho, luar de Agosto, quem faz um filho fá-lo por gosto.
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